Apesar disso, se faz elementar ponderar que diferentemente do direito civil, o direito penal possui uma maior tutela de proteção e é por este motivo que há a proteção do feto nos crimes de aborto e seus desdobramentos, presentes nos artigos 124, 125 e 126 do Código Penal. Torna-se, assim, inegável a distinção penal de “pessoa” e “nascituro”, e é neste sentido que diversos doutrinadores enfatizam o fato de que somente a pessoa nascida e viva pode ser sujeito passivo do crime de lesões corporais. Isto porque, o legislador foi claro e conciso ao utilizar-se da expressão “outrem”, a qual, partindo da análise do significado da palavra, refere-se a “outra pessoa”. Desta forma, não pode-se enquadrar o nascituro como sujeito passivo de lesões corporais, sendo este somente possível contra o ser humano nascido e vivo.
Observe-se:
“Até o início do nascimento, qualquer pessoa que atente contra o nascituro incidirá nas penas do delito de aborto (arts.124 a 128, CP)” (CARVALHO, 2009).
“Sujeito passivo é qualquer ser humano vivo, a partir do momento em que se tem por iniciado o parto” (PRADO, 2021, p. 488).
“Especialmente no caso do delito de lesão corporal, o sujeito passivo é a pessoa humana. É o homem vivo.” (SALES JUNIOR, p. 13, 1998)
Este entendimento é reforçado tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência, como bem se manifestou o Desembargador Alexandre Victor de Carvalho no julgamento da apelação de número 1.0134.99.012239-9/001, na qual o réu estava sendo acusado de cometer lesões corporais contra o nascituro.
Neste sentido, o magistrado enfatiza que “O crime de lesão corporal só pode ter como sujeito passivo o ser humano vivo, a partir do momento em que se tem por iniciado o parto”. Da mesma maneira, de forma unânime, por esta colenda Câmara julgou-se o Acórdão de número 553177-3, cuja ação objeto do recurso foi uma acusação de homicídio contra nascituros por uma profissional da saúde pela omissão na realização de exames médicos. Partindo deste contexto, julgou-se o recurso mantendo a absolvição contida na sentença de primeira grau com base na atipicidade da conduta, visto que, bem como no crime de lesão corporal, o homicídio também é intitulado como crime contra pessoas, tendo como tutela a vida humana (a saúde e integridade física do ser humano no caso da lesão corporal). Consequentemente, não há a possibilidade de se enquadrar o nascituro como sujeito passivo do tipo.
Observe-se:
“(…) 2. O ordenamento jurídico brasileiro, no art. 121, do Código Penal, tutela a vida humana. Sujeito passivo, portanto, deve ser um ser humano com vida independente, isto é, extrauterina. 3. Não demonstrado nos autos que os gêmeos tiveram vida extrauterina, inexiste o elemento objetivo que caracteriza o crime de homicídio atribuído à ré, sendo o fato atípico, uma vez que não tem adequação na descrição contida na lei”
Diante disso, pode-se observar como o único crime tipificado no Código Penal cujo sujeito passivo é o nascituro é o crime de aborto e seus desdobramentos, não havendo, portanto, a possibilidade de se enquadrar este como sujeito passivo nos crimes de lesão corporal. Assim, qualquer ato que condenar, denunciar ou acusar alguém por lesões corporais contra nascituro é juridicamente ausente de justa causa, na forma do artigo 395, inciso III do Código de Processo Penal. Como demonstrado acima, o nascituro não pode configurar sujeito passivo deste tipo, sendo este protegido pelo crime de aborto e seus desdobramentos, que por sua vez, exigem o dolo especifico da conduta. Não se tratando o caso, nada mais é do que uma conduta atípica para o Direito Penal.