A sigla ESG (sigla inglesa para “ambiental, social e governança”) ganhou grande popularidade nos últimos três anos, tornando-se importante parâmetro para destacar quais empresas efetivamente estão comprometidas com as questões socioambientais. A sigla se junta a uma série de padrões e critérios internacionais que visam avalizar a atuação empresarial consciente de diferentes vieses (a exemplo do Compliance, da Devida Diligência em Direitos Humanos e outras padronizações de critérios que viabilizam a conformidade empresarial).

Recente Relatório da PwC nos garante que até 2025, 57% dos ativos de fundos mútuos na Europa estarão em fundos que consideram os critérios ESG, o que representa US$ 8,9 trilhões, em relação a 15,1% no fim do ano passado. Não fosse suficiente, 8 entre 10 investidores institucionais pesquisados pela PwC disseram que planejam parar de comprar produtos não ESG nos próximos dois anos.

Assim, a pressão do mercado financeiro fora tamanha que boa parte das empresas de médio e grande porte começou a olhar para os parâmetros ESG com maior preocupação, buscando implementar em suas organizações parametrizações que permitissem alocar tal estampa às suas empresas.

Não obstante a sigla tenha alçado significativa fama, é preciso destacar, inicialmente, que o ESG nada mais é do que um nome comercialmente pensado para a própria sustentabilidade empresarial, como já defendeu Carlo Pereira, diretor-executivo da Rede Brasil do Pacto Global, em artigo publicado na revista exame. O acrônimo, explica-nos o diretor-executivo, foi cunhado na publicação “Who Cares Wins”, datada de 2004, fruto de uma provocação do chairman da ONU a 50 CEOs de grandes instituições financeiras, sobre como integrar fatores sociais, ambientais e de governança no mercado de capitais. Esta movimentação deu origem à criação, em 2006, do PRI (Princípios de Investimento Responsável), que hoje possui mais de 3 mil signatários, com ativos sob gestão que ultrapassam os 100 trilhões de dólares.

De se admitir, portanto, que o ESG não se trata exatamente de uma nova abordagem de gestão empresarial, mas sim da abordagem sustentável empresarial tridimensional já buscada há décadas: com responsabilidade ambiental, social e de governança. A maior diferença recente talvez repouse no critério social, em que a atuação no âmbito do CSR (corporate social responsibility) foi extrapolada para a devida diligência em direitos humanos, reconhecendo não apenas a importância de se gerar valor e impacto positivo nas sociedades que avizinham a empresa, mas também de reconhecer e mitigar seus impactos negativos.

Aparentemente ciente da grande confusão em torno do tema, que gerou verdadeira corrida de consultorias e empresas especializadas, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) publicou a Resolução CVM nº 59/2021, modificando as Instruções CVM 480 e 481/2009 para instituir os padrões para as práticas de ESG – Environmental, Social and Governance na área mobiliária.

A instrução, publicada em dezembro de 2021, já foi superficialmente debatida em diversos artigos e textos de internet, mas poucas são as análises práticas e críticas efetivamente realizadas. Na contramão da complexificação enxergada nos Estados Unidos da América e Europa, a instrução da CVM parece-nos simplificar em demasia um tema de grande complexidade, centrando-se em apresentar e explanar as informações exigidas no formulário de referência (documento que deve ser apresentado periodicamente pelas companhias abertas).

A instrução nos traz uma série de mudanças propostas pela Resolução 59 no âmbito do Formulário de Referência, que não serão foco deste pequeno artigo. Cumpre-nos compreender e avaliar o que dispôs a resolução acerca das políticas de implementação ESG, passando a CVM a exigir que os Emissores de Valores Mobiliários apresentem, a partir da Data de Vigência (conforme definido abaixo), informações complementares relacionadas ao tema no Formulário de Referência, como por exemplo:

a. se o emissor divulga informações ESG/ASG em relatório anual ou outro documento específico para esta finalidade;

b. a metodologia ou padrão seguidos na elaboração desse relatório ou documento;

c. se esse relatório ou documento é auditado ou revisado por entidade independente, identificando essa entidade, se for o caso;

d. a página na rede mundial de computadores onde o relatório ou documento pode ser encontrado

e. se o relatório ou documento produzido considera a divulgação de uma matriz de materialidade e indicadores-chave de desempenho ASG, e quais são os indicadores materiais para o emissor;

f. se o relatório ou documento considera os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) estabelecidos pela Organização das Nações Unidas e quais são os ODS materiais para o negócio do emissor;

g. se o relatório ou documento considera as recomendações da Força-Tarefa para Divulgações Financeiras Relacionadas às Mudanças Climáticas (TCFD) ou recomendações de divulgações financeiras de outras entidades reconhecidas e que sejam relacionadas a questões climáticas;

h. se o emissor realiza inventários de emissão de gases do efeito estufa, indicando, se for o caso, o escopo das emissões inventariadas e a página na rede mundial de computadores onde informações adicionais podem ser encontradas;

i. explicação do emissor sobre as seguintes condutas, se for o caso: (i) a não divulgação de informações ASG; ii. a não adoção de matriz de materialidade; iii. a não adoção de indicadores-chave de desempenho ASG; iv. a não realização de auditoria ou revisão sobre as informações ASG divulgadas; v. a não consideração dos ODS ou a não adoção das recomendações relacionadas a questões climáticas, emanadas pela TCFD ou outras entidades reconhecidas, nas informações ASG divulgadas; vi. a não realização de inventários de emissão de gases do efeito estufa.

Veja-se que, conforme destacado anteriormente, o grande fator diferenciador da análise tripartite do ESG é o foco na antes negligenciada questão social, que nos permite enxergar as consequências da atuação empresarial nas comunidades em que estão inseridas. Durante décadas, as políticas de CSR alocaram a responsabilidade social em uma espécie de atuação de caridade, limitando a atuação das empresas a ações sociais locais que em nada mitigavam os efeitos deletérios de suas atuações. Ao ampliar esta visão, entendendo que a atuação empresarial traz modificações benéficas e maléficas ao entorno social, medindo e monitorando a extensão destes impactos, bem como desenvolvendo assertivas políticas de mitigação, a empresa aumenta significativamente seu potencial de agente transformador.

Veja-se, ainda, que a Resolução destaca, de forma ampla e recorrente, a importância da adoção de padrões técnico-metodológicos nas análises realizadas, o que seguramente exigirá um largo prazo de implementação. Deste modo, na medida em que as disposições previstas na Resolução 59 entrarão em vigor a partir de 02 de janeiro de 2023 (“Data de Vigência”), é recomendável que os Emissores de Valores Mobiliários iniciem os trâmites necessários à divulgação das informações previstas na referida resolução, notadamente as de caráter ASG, antes da Data de Vigência.

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Advogada e professora (UniOpet e Uninter). Mestre em Direito na área de Direitos Humanos, Justiça e Democracia na PUCPR (2021). Especialista em Direito Eleitoral pelo IDDE (2019). Especialista em Direito Público com ênfase em Direito Penal e Processual Penal pela Escola da Magistratura Federal do Paraná (2015). Bacharela em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba do UNICURITIBA – Centro Universitário Curitiba (2014). Associada Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM). Membro da Global Business and Human Rights Scholars Association (GBHRSA). Membro do Grupo de Pesquisa em Estudos Avançados em Direito Eleitoral e Direito Penal Internacional (IBCCRIM). Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Direitos Humanos e Direito Internacional: convergências e divergências (CNPq).