O processo penal, posto em toda sua complexidade, busca a reconstrução aproximada de um fato passado, utilizando-se de provas para que um julgador possa exercer sua atividade recognitiva e formar seu convencimento que deverá ser externado em sede de sentença.

Assim sendo, é esse contexto que confere à prova tamanha importância dentro do processo penal. Trata-se de elemento integrador capaz de oferecer ao julgador a demonstração da verdade dos fatos deduzidos ou levados ao conhecimento do juízo (retrospecção) e de instruir o seu convencimento psicológico (persuasão). Em outras palavras, a prova é a efetiva possibilidade de representar ao juiz a realidade do ocorrido.

Ocorre que, justamente em decorrência da sua impactante função persuasiva, o direito à prova possui limitações de natureza constitucional, material e processual: a prova deve ser admissível e válida. Não pode o Estado cometer outros ilícitos para a obtenção de uma prova, independentemente da gravidade do crime objeto do processo, devendo agir com “superioridade ética”. É por essa razão que a atividade probatória deve funcionar protegida por instrumentos de eliminação do arbítrio estatal, tal como o artigo 157 do Código de Processo Penal.

O artigo 157 trata das questões atinentes à inadmissibilidade das provas ilícitas. Em 2008, teve sua redação alterada pela Lei nº 11.690/08, adequando o dispositivo anterior (“o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova”) aos preceitos constitucionais de 1988, especialmente o disposto no inciso LVI, do artigo 5º, da CRFB. As mudanças se mantiveram até hoje, tendo apenas sido incluído o §5º pela Lei Anticrime em 2019, resultando na seguinte redação:

Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008) § 1o São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008) § 2o Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008) § 3o Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008) § 4o (VETADO) (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008) § 5º O juiz que conhecer do conteúdo da prova declarada inadmissível não poderá proferir a sentença ou acórdão. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vide ADI 6.298) (Vide ADI 6.299) (Vide ADI 6.300) (Vide ADI 6.305)

Como se vê, antes do §5º, o procedimento relacionado às provas ilícitas, quais sejam aquelas obtidas em violação a normas constitucionais ou legais, previa uma solução única: o desentranhamento da prova ilícita.

O fato de ser a única solução é controverso. A doutrina traz críticas quanto à ausência de um regime próprio de proibições probatórias, com natureza autônoma, pautado a partir da regra da inadmissibilidade, a fim de possibilitar a dissociação das noções de ilicitude de prova e de direitos fundamentais. Para tanto, acredita-se que o primeiro passo possa ter sido o parágrafo 5º, do artigo 157, com a proposta de descontaminação do juiz, proibindo-o de julgar quando este tiver tido contato com a prova ilícita.

Dessa maneira, o procedimento a ser adotado seria o desentranhamento tanto da prova quanto do juiz contaminado.

O supracitado parágrafo, contudo, foi impugnado pela Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6.299, ajuizada pelo partido PODEMOS e CIDADANIA, e teve sua eficácia suspensa pela liminar concedida pelo Ministro Dias Toffoli em 15 de janeiro de 2020. Os argumentos foram, resumidamente, a (suposta) colisão com o princípio do juiz natural, o fato de já ter sido objeto de veto pelo Presidente da República (art. 157, §4º, CPP), a vagueza do preceito e as inúmeras dúvidas que ele suscita.

Aos olhos da doutrina, por certo que a redação do §5º poderia ser melhor, entretanto, está longe de ser inconstitucional – principalmente porque explicita em sua primeira parte “o juiz que conhecer do conteúdo da prova declarada inadmissível”o preceito do inciso LVI, art. 5º, da CRFB, deixando para a segunda parte um comando preciso “não poderá proferir a sentença ou acórdão”.

Portanto, em conclusão, até que sobrevenha o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, o procedimento se mantém, sendo o desentranhamento da prova ilícita a única providência a ser tomada para quando houver violação de normas constitucionais ou leis em sua obtenção.

 

REFERÊNCIAS:

  1. AVOLO, Luiz Francisco Torquato. Provas Ilícitas: interceptações telefônicas, ambientais e gravações clandestinas. 6 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.
  2. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 6299, Relator(a): Min. LUIZ FUX, julgado em 03/02/2020, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-021 DIVULG 03/02/2020 PUBLIC 04/02/2020.
  3. CANI, Luiz Eduardo; COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda; EBERHARDT , Marcos. Prova Ilícita, ainda: o velho e o novo na “Lei Anticrime”. In: CAMARGO, Rodrigo Oliveira de; FELIX, Yuri (org.). Pacote Anticrime: reformas processuais: reflexões críticas à luz da Lei. 13.6964/2019. 1. ed. Florianópolis: Emais, 2020. p. 201-220.
  4. FULLER, Paulo Henrique; JUNQUEIRA, Gustavo; PARDAL, Rodrigo; VANZOLINI, Patrícia. Lei Anticrime comentada: artigo por artigo. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.
  5. LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal.17 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.
Sílvia Tramujas é graduanda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, coordenadora do Núcleo de Ciências Criminais e do Grupo de Estudos em Direito Penal Econômico da PUCPR, membro do Grupo de Estudos Avançados em Métodos Negociais aplicáveis à justiça penal negocial (IBCCRIM) e do GRAED (PUCPR) e pesquisadora no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) da PUCPR por três ciclos consecutivos.