Muito se discute, na Corte de Cassação de Roma acerca da condenação do jogador de futebol Robinho pelo crime de violência sexual, após o jogador e mais cinco homens, em uma boate, terem, em tese, estuprado uma mulher de origem albanesa, que na época dos fatos – em 2013 – tinha 23 anos. A Suprema Corte Italiana negou provimento ao recurso interposto pela defesa do jogador, ratificando a pena de nove anos de prisão e, desta forma, condenando o jogador em última instância.

Do ponto de vista do direito penal, isso significa que a sentença se tornou definitiva, não podendo ser objeto de recurso. Porém, por se tratar de uma condenação em outro país, discute-se a respeito da possibilidade da aplicação da lei penal brasileira no estrangeiro e quais hipóteses de execução da pena, tendo em vista que o réu não se encontra em território italiano. Para fins penais, a aplicação das normas em relação ao espaço, tem como principal objetivo a solução de eventuais conflitos entre normas penais de diferentes países. Esta aplicação leva em consideração dois fatores, sendo eles, o local onde ocorreu a ação ou omissão e o local onde ocorreu o resultado. Isso posto, compreende-se de acordo com o Código Penal que os casos onde a lei penal brasileira se aplica, são divididos em três categorias.

A primeira refere-se à territorialidade. Encontra-se essa situação disposta no artigo 5º do Código Penal e objetiva acerca da predominância da lei brasileira em crimes cometidos em território nacional e naqueles chamados de “territórios por extensão”, como aeronaves e embarcações de natureza pública. A segunda categoria trata da extraterritorialidade incondicionada e diz respeito à aplicação da lei penal brasileira nos crimes listados no art. 7º do CP, mesmo que estes sejam cometidos no estrangeiro, como por exemplo, crimes que atentem contra a vida ou liberdade do Presidente da República, além de outras hipóteses legais não aplicadas ao caso concreto. A terceira e última hipótese de aplicação da lei penal brasileira, nos casos de conflito de lei no espaço, versa sobre a extraterritorialidade condicionada.Prevista no art. 7º, II, dispõe sobre a aplicação da norma nacional em território estrageiro, desde que se cumpram as condições previstas no §2º do mesmo artigo.

Com relação ao caso concreto, em uma análise das hipóteses de aplicação da lei penal brasileira, percebe-se a impossibilidade de tal, haja vista o crime não ter ocorrido em território nacional, muito menos nos chamados “territórios por extensão”, não se enquadrando na hipótese da territorialidade e nem nas extraterritoriais, uma vez que além de não se tratar dos crimes listados no art. 7º, I, além disso, apesar de se tratar de um brasileiro nato acusado em um crime cometido contra estrangeiro, o réu não entrou em território nacional desde então, não preenchendo todos os requisitos do art. 7º, §2º Neste sentido, passa-se a discutir as possibilidades de execução da pena, tendo em vista que o réu não se encontra em território italiano, nem tampouco em território brasileiro.

Primeiramente, ressalta-se sobre a impossibilidade de extradição por parte do Brasil do jogador Robinho, com o objetivo de cumprimento da pena de nove anos, caso este estivesse em território nacional pois este ponto, é vedado constitucionalmente, haja vista o agente ser brasileiro nato, não podendo ser extraditado para outros países, conforme a disposição constitucional abaixo:

Art. 5º (…) LI – nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei;

Ademais, por mais que o Brasil e a Itália tenham assinado juntamente em 1989 o tratado de cooperação judiciária em matéria penal, este tratado não possui nenhuma previsão no que tange a possibilidade de execução, em território brasileiro, de uma pena imposta pela justiça italiana, tendo no seu art. 1º, §3º a vedação de tal possibilidade: “a cooperação não compreenderá a execução de medidas restritivas da liberdade pessoal nem a execução de condenações”. Porém, Robinho pode ter sua pena executada, caso o jogador se encontrar em território italiano ou de outros países que possuem tratados de extradição com a Itália, como Estados Unidos, Austrália, Argentina e outros 50 países signatários da Convenção Europeia de Extradição, bastando a Itália incluir o nome de Robinho na difusão vermelha, que nada mais é do que um objeto de auxílio para autoridades com o objetivo de auxiliar do cumprimento de mandados de prisão de indivíduos que se encontram no exterior.

Tratando-se de hipótese em que o jogador estivesse em território brasileiro, o próprio Código Penal, no art. 9º, veda a possibilidade de do cumprimento da sentença no caso em questão, pois delimita somente duas hipóteses as quais, uma sentença estrangeira pode surtir seus efeitos em território brasileiro, sendo elas:

Art. 9º – A sentença estrangeira, quando a aplicação da lei brasileira produz na espécie as mesmas conseqüências, pode ser homologada no Brasil para:

I – obrigar o condenado à reparação do dano, a restituições e a outros efeitos civis;

II – sujeitá-lo à medida de segurança.

Ocorre que, em 2017, outra hipótese foi incluída pelos artigos 100 e 102 da Lei de Migração (Lei 13.445/17), a qual criou o instituto de Transferencia de Execução Penal (TEP), cujo objetivo é possibilitar o cumprimento de penas privativas de liberdade estrangeiras em território nacional. Importante destacar, no entanto, que deve haver um pedido formal da corte do país que proferiu a decisão condenatória – neste caso caso, a Corte de Cassação de Roma – sendo o Superior Tribunal de Justiça brasileiro o responsável pela análise do referido pedido, de acordo com o art 105, I, “i”, da Constituição Federal e o art. 216-A do Regimento Interno do STJ, que pode, ou não, homologar a sentença para execução no Brasil.

Desta forma, reconhecendo a impossibilidade de se aplicar a lei penal brasileira no caso concreto e compreendendo as hipóteses da execução da pena italiana pelo réu, faz-se necessário aguardar as próximas decisões entre o Superior Tribunal de Justiça e a Corte de Cassação de Roma.

 

Referências:

  1. NUCCI, Guilherme de Souza, Manual de direito penal. – 10. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2014.
  2. ESTEFAM, André. Direito penal: parte geral (arts. 1º a 120) – 7. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2018.
  3. MOREIRA ALVES, Leonardo Barreto. Manual de Processo Penal. Salvador: Juspodivm, 2021, p. 754
  4. Dizer o direito. Robinho poderá cumprir no Brasil a pena imposta pela Justiça italiana? 2022. Disponível em: https://www.dizerodireito.com.br/2022/01/robinho-podera-cumprir-no-brasil-pena.html. Acesso em: 01 fev. 2022.

 

Graduanda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, participa do grupo de competição em direitos humanos (NEDIDH), representando a PUCPR no ano de 2021 na Inter-American Humans Rights Moot Court Competition, além disso também possui dois projetos de iniciação cientifica na área de direito humanos e direito penal.