Imagine que você está sendo processado por improbidade administrativa mesmo não tendo cometido o crime e a única prova capaz de comprovar sua inocência é fruto de um mandado de busca e apreensão que não seguiu os trâmites processuais penais. Esta prova poderia ser utilizada para garantir o princípio da ampla defesa e inocentá-lo? Vejamos.

Para Guilherme Nucci, o objetivo da prova no processo penal brasileiro gira em torno da demonstração evidente da veracidade ou autenticidade de algo. No mesmo sentido, para garantir o “due process of law” bem como o Estado Democrático de Direito, a Constituição Federal art. 5º, LVI, torna inadmissíveis as provas obtidas por meio ilícitos.

Ainda de acordo com o doutrinador, o conceito de ilícito seria toda e qualquer ofensa à Constituição Federal e, por óbvio, à legislação geral, seja em aspecto material ou processual. Desta feita, as provas ilícitas são aquelas fruto da violação de normas constitucionais ou legais, como por exemplo uma confissão extraída por meio de tortura e até mesmo um laudo assinado por um perito não oficial.

E é justamente essa problemática que a teoria dos frutos envenenados ou fruits of the poisonous tree pretende resolver. A teoria nasceu do precedente norte-americano Silverthorne Lumber & CO. Vs. United States, de 1920. Na decisão deste caso, o magistrado afirmou que a proibição de certos métodos para obtenção de uma prova é inútil se não houver a imposição de limites sobre aquelas que forem consequência da anterior.

No sistema brasileiro, por sua vez, essa teoria veio à tona em 1996 com o julgamento do Habeas Corpus n. 69.912/RS. Somente em 2008, contudo, que passou a ser norma e integrar Código de Processo Penal, no §1º do art. 157:

§ 1o São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.

Sendo assim, uma vez que ilícita a prova originária, as demais provas também se tornam ilícitas por derivação, ainda que sejam por si só regulares – entendimento que foi reiterado pelo Supremo Tribunal Federal em 2012.

Para melhor aplicação, o art. 157 apresentou algumas exceções a teoria do fruto envenenado, sendo estes (i) a ausência de contaminação quando não comprovado o nexo causal entre a original e a supostamente derivada; (ii) a ausência de contaminação quando a prova puder ser obtida por fonte independente da ilícita.

A respeito das exceções, o Código de Processo Penal brasileiro traz o conceito de “fonte independente” no §2º do art, 157, fazendo a inclusão da teoria da fonte independente e a teoria da descoberta inevitável ao direito processual penal. Nestas, entendeu-se que, mesmo que uma prova seja diretamente obtida de outra ilícita, ela poderá ser considerada admissível caso comprovada que poderia ter sido obtida por meios independentes ou meramente com os trâmites típicos próprios da investigação ou instrução criminal.

Retomando o questionamento inicial, qual seja o caso onde o réu é acusado de um crime e a única prova capaz de comprovar a sua inocência é fruto de outra deliberadamente ilícita, para que essa prova seja considerada admissível para o direito processual brasileiro é preciso que reste comprovado o nexo causal entre a prova originária e a derivada e que inexista uma fonte independente por meio da qual a prova ilícita derivada pudesse ser produzida.

É neste sentido que com respaldo jurisprudencial e doutrinário abre-se outra exceção à teoria dos frutos envenenados.

Trata-se de uma exceção à teoria dos frutos envenenados e se consagra no axioma male captum, bene retentum, chamada de teoria da proporcionalidade/prova ilícita pro reo. Para esta teoria, as provas ilícitas podem se tornar admissíveis levando em consideração a sua utilizabilidade no processo e o princípio pro reo, desde que não seja vedada pelo ordenamento processual, não interessando a possível violação do direito material.

Neste sentido, em que pese a prova tenha sido obtida por meios que violem o direito material – como no caso hipotético supracitado -, o seu conteúdo pode, eventualmente, servir de base para comprovar a inocência do réu. Neste caso, deverá o juiz utilizar-se de critérios hermenêuticos a fim de preponderar sobre a possibilidade de torná-la admissível com base no direito à ampla defesa e demais garantias e direito individuais.

Por mais que alguns autores, como o Dr. Aury Lopes Junior, critiquem a teoria da proporcionalidade da prova ilícita é inegável o conflito entre princípios constitucionais igualmente relevantes como o da ampla defesa e do devido processo legal. Outrossim, países como França e Inglaterra já positivaram tal possibilidade, sem prejuizo da responsabilização dos responsáveis pela produção ilegal da prova.

Portanto, esta exceção deve ser utilizada de forma cuidadosa, pois, apesar de ter enorme relevância na eficácia da garantia de direitos fundamentais, em contrapartida, também se encontra à margem da subjetividade, uma vez que depende exclusivamente da interpretação do juiz em relação ao caso concreto.

 

Referências:

  1. AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas ilícitas: interceptações telefônicas, ambientais e gravações clandestinas. 6. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.
  2. GRINOVER, Ada Pellegrini, FERNANDES, Antonio Scarance, GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As Nulidades no Processo Penal. 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001
  3. LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal. 17. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 202
  4. NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 2017.
  5. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 18 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
Talita Pastore é graduanda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, participa do grupo de competição em direitos humanos (NEDIDH), representando a PUCPR no ano de 2021 na Inter-American Humans Rights Moot Court Competition, além disso também possui dois projetos de iniciação cientifica na área de direito humanos e direito penal.