Como já previamente debatido em texto publicado em 10 de maio de 2022, a liberdade de imprensa é uma das formas qualificadas de liberdade de expressão, garantida na Constituição Federal em seu artigo 5º, IV e IX. Assim, é assegurado aos profissionais de comunicação social o direito de buscar, de receber e de transmitir informações e ideias por quaisquer meios, inclusive digitais.

Importante rememorar que à liberdade de expressão do jornalista, soma-se a liberdade de informação da população, cujo direito à notícia é inalienável em um Estado Democrático de Direito. Assim, ao Jornalista é conferido o direito de livremente dizer, sendo vedado ao Judiciário promover qualquer tipo de censura prévia. Ainda, ao jornalista é garantido o sigilo de suas fontes, previsto no art. 5º, IX da Constituição Federal.

A questão ganha uma complexidade um pouco maior quando tratamos de casos em que, através de suas fontes, o jornalista acessa e divulga documentos sob sigilo judicial, havendo discussões acerca da incidência da conduta prevista no art. 10 da Lei nº 9.296/1996. Explica-se: não obstante a publicidade seja a regra, alguns processos tramitam em segredo de Justiça, por razões que variam desde a preservação da integridade das partes, especialmente a vítima de processo criminal, ao comprometimento de outras investigações ainda em andamento. O tipo penal em comento busca a responsabilização daqueles que desrespeitam a imposição legal de sigilo.

Referido artigo legal diz respeito às condutas de “realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, promover escuta ambiental ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei”, com pena de dois a quatro anos de reclusão. Questiona-se, assim, acerca da responsabilização criminal por divulgação de documentos em segredo de Justiça em matéria jornalística.

A utilização de informações sigilosas em matérias jornalísticas vem se tornando frequente, especialmente com o aumento do interesse popular em demandas judiciais, fruto da publicização e espetacularização de grandes operações como a Lava-Jato, cujos conteúdos recorrentemente eram “vazados” à grande mídia.

O debate voltou à tona recentemente, quando informações obtidas na Operação Spoofing, fruto da popular série de investigações “Vaza-Jato”, demonstraram que alguns Promotores e Procuradores buscavam conceder informações privilegiadas a jornalistas com a divulgação de dados que se encontravam sob segredo de justiça. Em algumas oportunidades, a informação era “vazada” aos jornalistas momentos antes da retirada do segredo para divulgação da matéria; em outras, o sigilo da informação sequer era levantado nos autos, permanecendo em segredo.

Tais casos, no entanto, não estão restritos apenas às grandes operações: com a popularização e ampla divulgação do Caso Mariana Ferrer, diversos veículos jornalísticos divulgaram trechos do feito em sigilo, a fim de denunciar as injustiças sofridas pela jovem, que vítima de grave crime sexual em autos criminais, viu-se achacada e psicologicamente atormentada em audiência realizada no ano de 2020.

Algumas questões emergem do debate sobre o caráter criminoso da conduta daquele que divulga documentos sigilosos em matérias jornalísticas. Inicialmente, questiona-se: pode-se responsabilizar criminalmente os jornalistas que divulguem em matéria jornalística informações sob segredo de Justiça, vazadas para si por terceiros?

Nestes casos, afirma-se com tranquilidade ser a conduta atípica, não incidindo a figura da Lei nª 9.296/1996. Isto é: não comete crime o jornalista que divulga informações de autos sigilosos para si entregues por terceiros.

Nesse sentido, do ponto de vista técnico-penal, destaca-se que a legislação prevê a conduta de quebra de segredo de Justiça, e não de divulgação de atos sigilosos, razão pela qual, não tendo sido o repórter responsável pela prática da efetiva quebra, não cabe a sua responsabilização. Isto porque o acesso do jornalista ao conteúdo sigiloso depende da atividade de terceiro que efetivamente possua acesso aos autos sigilosos, este sim responsável pela “quebra” do sigilo.

Neste aspecto, destaca-se que o Direito Penal possui como um de seus princípios mais caros o ‘Princípio da Legalidade Estrita”, de modo que o alargamento da conduta prevista legalmente em malefício do sujeito ativo é absolutamente inaceitável.

Descabida, ainda, a colocação do jornalista como partícipe de eventual delito daquele que obteve informações de forma ilícita, quebrando o sigilo do processo e repassando-lhe as informações. O jornalista, enquanto mero destinatário da informação, não participa da conduta criminosa e por ela não pode ser responsabilizado. Conforme destacado anteriormente, é assegurado aos jornalistas o sigilo da fonte, mesmo que esta tenha cometido algum ilícito na obtenção das informações que lhe foram repassadas posteriormente, conforme o inciso XIV do artigo 5º da Constituição Federal.

De se anotar, ainda, que é pacífico no Supremo Tribunal Federal que a simples divulgação de processo em segredo de Justiça não importa sequer responsabilização civil ao jornalista, desde que as informações sejam colocadas na reportagem de maneira objetiva e com intuito somente de relatar os fatos do processo. De fato, não há no ordenamento jurídico nenhuma norma que impeça a imprensa, caso chegue às suas mãos uma notícia relativa a processo em segredo de justiça, de divulgá-la, não havendo que se falar em ilicitude no fato de um jornalista divulgar fatos verídicos ocorridos no âmbito de um processo penal (Reclamação Constitucional nº 18.638). O dever de indenizar surgirá quando o jornalista agir de má-fé na divulgação do conteúdo processual, manipulando ou falseando os fatos ou mesmo buscando atingir a honra subjetiva/objetiva da parte que compõe os autos.

Por outro lado, as pessoas vinculadas ao processo devem guardar o segredo de justiça sob pena de cometer o crime de violação de segredo. Assim, o que a imprensa não pode é corromper algum funcionário da Justiça ou advogado para obter informações sigilosas, pois agiria em cumplicidade ao cometimento do ato ilícito.

Assim, questiona-se finalmente: pode-se ser responsabilizar criminalmente os que possuem acesso aos autos sigilosos (funcionários da justiça, promotores, juízes e advogados), caso procedam a entrega de tais documentos aos profissionais jornalistas?

A resposta neste caso é positiva: o art. 10 da Lei nº 9.296/1996 prevê a responsabilização por quebra de Segredo de Justiça, de sorte que aqueles responsáveis por divulgar o conteúdo de processo sigiloso a terceiros deve ser investigado e, comprovada sua responsabilidade, condenado pelo delito.

 

Advogada e professora. Mestre em Direito na área de Direitos Humanos, Justiça e Democracia na PUCPR (2021). Especialista em Direito Eleitoral pelo IDDE (2019). Especialista em Direito Público com ênfase em Direito Penal e Processual Penal pela Escola da Magistratura Federal do Paraná (2015). Bacharela em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba do UNICURITIBA – Centro Universitário Curitiba (2014). Associada Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM). Membro da Global Business and Human Rights Scholars Association (GBHRSA). Membro do Grupo de Pesquisa em Estudos Avançados em Direito Eleitoral e Direito Penal Internacional (IBCCRIM). Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Direitos Humanos e Direito Internacional: convergências e divergências (CNPq).