Uma dúvida frequente dos acusados e investigados: é possível, ou até mesmo legal, ser investigado ou processado pelo mesmo fato na esfera civil, criminal e administrativa, de forma cumulativa? Consequentemente, é possível a dupla ou tripla sanção, em diferentes esferas?

Por exemplo, em um caso de corrupção de servidor público, pode o servidor sofrer uma punição administrativa pelo fato, cumulada com a persecução criminal e, ao mesmo tempo, ser réu em uma ação civil de improbidade administrativa?

A resposta, infelizmente, é positiva para todas essas perguntas.

A Convenção Interamericana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) prevê o princípio do ne bis in idem (a vedação da aplicação de mais de uma sanção penal pelo mesmo fato) em seu art. 8.4, porém, a jurisprudência brasileira tem entendido que tal vedação não se estende para sanções de diferentes naturezas.

Portanto, apesar da vedação da aplicação de mais de uma sanção com base nos mesmos fatos, entende-se que isso aplica-se apenas a sanções de mesma natureza. Por exemplo, uma pessoa condenada ou absolvida em esfera criminal por um determinado fato não pode ser novamente investigada e condenada na esfera penal, mas poderia sofrer uma sanção administrativa ou civil.

O Superior Tribunal de Justiça, quando da interpretação do dispositivo art. 8.4 entendeu que tal vedação não pode se estender para diferentes esferas. Assim, é possível a aplicação de uma sanção civil, penal e outra administrativa, desde que essas sanções respeitem a independência das esferas e a vedação de ne bis in idem dentro de cada área.

Porém, tal interpretação, antes majoritária e consolidada, parece estar sofrendo alterações, com a tendência de extensão da vedação do duplo sancionamento também para diferentes esferas. Neste ponto, cumpre salientar que tal debate há muito já vem sendo feito em outros países, como na França, Alemanha, Espanha e Peru. Portanto, não é possível diminuir a relevância de tal debate, visto que aparentemente trata-se de uma tendência internacional.

Neste sentido, o próprio Supremo Tribunal Federal parece tendente à extensão do escopo do ne bis in idem também para diferentes esferas. Ainda em 2020, na Reclamação nº 41.557/SP, entendeu pela mitigação da independência entre as esferas, frente a identidade de descrição fática entre a ação de improbidade administrativa e a ação penal que já havia sido trancada. 

Portanto, entendeu que verificada a negativa de autoria na esfera penal (por ausência de indícios de que o réu era o autor do crime) entende que não seria possível a continuidade da ação de improbidade administrativa com base nos mesmos fatos.

Tal entendimento é paradigmático no ordenamento brasileiro, representando uma verdadeira alteração de entendimento quanto ao ne bis in idem em favor dos réus. Assim, é possível concluir que, apesar de ainda não existir vedação expressa quanto à dupla ou tripla imputação e sanção, desde que em diferentes esferas, há uma tendência para que tal fenômeno seja limitado, como forma de garantir os direitos dos acusados. 

Graduanda pela Universidade Federal do Paraná. Coordenadora do Núcleo de Pesquisa em Direito Penal Econômico da UFPR – NUPPE.