Ao registrar um boletim de ocorrência e requisitar as medidas protetivas de urgência nos casos de violência doméstica, sob a égide da Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha), é comum surgirem dúvidas sobre os próximos passos do processo criminal e a garantia do cumprimento das cautelares impostas.
Diante disso, é essencial compreender que, embora o registro da ocorrência e o requerimento das medidas protetivas possam ocorrer simultaneamente, trata-se de atos distintos, com naturezas jurídicas diferentes e desdobramentos autônomos.
Isto é, enquanto a lavratura do boletim de ocorrência e a consequente persecução penal buscam responsabilizar o indiciado pelo crime cometido, seguindo um rito formal que envolve investigação, coleta de provas, audiências e, eventualmente, um julgamento, as medidas protetivas de urgência são instrumentos cautelares voltados à segurança imediata da vítima.
Em outras palavras, a ação penal, quando instaurada, tem como objetivo apurar a responsabilidade criminal do agressor, buscando garantir sua punição nos moldes da lei. Esse procedimento segue um rito processual que pode envolver inquérito policial, recebimento da denúncia, audiência de instrução e julgamento, perícia, oitiva de testemunhas, entre outros atos. Por exigir uma série de provas e contraditório, essa ação pode tramitar por um período mais longo, até que haja uma decisão definitiva sobre a culpabilidade do indiciado.
As medidas protetivas de urgência, por sua vez, possuem um caráter essencialmente preventivo e são concedidas com o objetivo de afastar qualquer risco iminente à integridade física, psicológica ou patrimonial da vítima. Essas medidas são de natureza cautelar e podem ser concedidas de imediato, sem a necessidade de uma instrução probatória extensa. O juiz pode deferi-las com base nos indícios da ameaça relatada, e elas permanecem vigentes enquanto houver perigo para a mulher.
À vista disso, inclusive, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Tema 1.249, entendeu sobre a impossibilidade de fixação de um prazo para as medidas protetivas de urgência, vez que têm natureza de tutela inibitória e não se relacionam à persecução penal, nem mesmo se vinculam à existência de instrumentos como inquérito policial ou ação penal.
Ademais, destacou o Ministro Rogerio Schietti Cruz que tal entendimento não afeta os direitos do acusado, pois ele pode provocar o juízo de origem quando entender que a medida inibitória não é mais pertinente.
Ainda, o tema destaca que o reforço periódico da medida protetiva gera revitimização. Ou seja, exigir que a mulher vítima de violência doméstica compareça, recorrentemente, em cartório criminal para solicitar a manutenção da medida, resultaria em nítida violência institucional.
Nesse sentido, entende-se que as medidas protetivas devem vigorar pelo tempo necessário à eliminação do risco, visando interromper o ciclo de violência instaurado. Assim, não é possível determinar, de forma prévia e fixa, um prazo específico – seja em dias, semanas, meses ou anos – para a efetiva cessação da ameaça.
Por não dependerem da conclusão da ação penal, as medidas protetivas de urgência podem ser determinadas independentemente do andamento da investigação criminal e podem ser prorrogadas sempre que necessário. Exemplos dessas medidas incluem o afastamento do agressor do lar, a proibição de contato com a vítima e seus familiares e o uso de dispositivos de monitoramento eletrônico.
Sendo assim, é possível afirmar que as referidas medidas protetivas possuem o caráter sui generis, que significa “de natureza própria”, ou “único em sua espécie”. Essa expressão é empregada porque tais medidas não se enquadram rigidamente como ação penal ou cível, visto que possuem um caráter misto, podendo derivar tanto da esfera cível quanto da criminal, conforme a situação exigir.
Essa distinção é crucial para assegurar que, independentemente do ritmo e desdobramento da ação penal, a vítima não fique desprotegida em um momento de vulnerabilidade. As medidas protetivas, portanto, funcionam como um instrumento preventivo e inibitório, essencial para interromper o ciclo de violência e evitar a ocorrência de novos atos de agressão.
Comentários